Empreendedorismo e a teoria dos jogos

Empreendedorismo

As regras podem mudar a qualquer minuto e os competidores só saem de cena quando se veem sem motivação ou recursos para continuar.

Antes de fundarmos a Loft, eu e meu sócio Florian criamos um outro negócio, a Print. Em breve, essa empresa, a primeira gráfica online do Brasil, completará uma década de existência. Nenhum de nós segue à frente da companhia, mas a Print continua ativa, perseguindo seus objetivos, impactando clientes e mudando vidas.

Em um país em que 80% das empresas morrem antes de completar 10 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e no qual uma em cada cinco não consegue se manter ativa em seu primeiro ano de funcionamento, esse marco da Print precisa ser comemorado. Desejo que a seja a primeira década de muitas, aliás!

Pensar sobre esse tema – a longevidade dos negócios – me trouxe um questionamento. Afinal, como construir uma empresa feita para durar? É óbvio que não existe uma cartilha a ser seguida, mas quero compartilhar com vocês uma reflexão do autor e escritor Simon Sinek sobre como encaramos o mundo dos negócios, e que tem relação direta com essa pergunta.

Em uma palestra ministrada há mais de cinco anos, em um evento para lideranças, Sinek usou a teoria dos jogos para explicar que não deveríamos ter como objetivo vencer o “jogo” dos negócios, mas sim continuar jogando. Um conselho que me parece ainda bastante atual e pertinente.

Como lembra o autor, essa teoria diz que existem dois tipos de jogos, os finitos e os infinitos. Nos finitos, todos os jogadores concordam em seguir um mesmo conjunto de regras e têm um único objetivo: vencer. Um bom exemplo de jogo finito é uma partida de futebol. Os 22 atletas em campo jogam sob as mesmas regras e vence o time que marcar mais gols em 90 minutos.

Já nos jogos infinitos, como o próprio nome diz, não há fim. A “partida” nunca termina. Também não há vencedores ou perdedores. As regras podem mudar a qualquer minuto e os competidores só saem de cena quando se veem sem motivação ou recursos para continuar.

O que Sinek quer nos mostrar é que o mundo dos negócios está muito mais próximo dos jogos infinitos do que dos jogos finitos. O cenário externo muda constantemente, nem todos jogam sob as mesmas regras e, não raro, vemos empresas saindo de cena por falta de recursos para continuar operando.

A conclusão que ele faz é que não faz sentido tentarmos jogar o “jogo dos negócios” no modo finito. Se usamos nossos recursos e tomarmos nossas decisões com o único objetivo de “vencer” um concorrente ou de ser o número 1 em um mercado, como se o mercado fosse de alguma maneira parar após atingirmos esses objetivos, estamos deixando de pensar nos próximos 10, 30, 50 anos, na durabilidade do negócio.

Quem joga o jogo do infinito e se prepara para continuar “vivo” no mercado por muitos anos é obcecado pelo “para onde estamos indo” e não pelo “o que precisamos fazer para vencer e acabar com o jogo”. O foco está em melhorar o seu produto, para que ele seja mais relevante para o consumidor amanhã, e não no produto do concorrente.

Há quem diga que o IPO, por exemplo, é o fim da jornada empreendedora. Eu discordo. O IPO não é o dia em que ganhamos o jogo. Ele é mais um dia em uma jornada de constante evolução, mais um passo na direção do que se almeja construir.

Falar de evolução é importante porque, em um jogo infinito, como mencionado, as regras mudam. Os desejos dos clientes mudam, e a tecnologia e os recursos disponíveis também. É preciso evoluir constantemente para se manter relevante.

O presidente da empresa, mas também as lideranças e os funcionários de todos os setores, precisam refletir sobre como revitalizar constantemente o negócio, bem como moldar continuamente a companhia para que ela não fique engessada.

A empresa é como uma massa de modelar. Depois que ela endurece, mudar sua forma (cultura) fica mais difícil. Não é impossível, mas leva muito mais tempo. O segredo é seguir moldando para que a massa nunca enrijeça.

Como empreendedor e investidor, acredito também que aprendizado, resiliência e crescimento estão interligados. Aprendendo rapidamente com nossos erros e virando a chave sempre que necessário, temos mais chances de nos mantermos no jogo.

Na Loft, sem sombra de dúvida, a minha maior virada de chave aconteceu logo no início da pandemia de Covid-19. Fizemos um esforço monumental para que todos pudessem trabalhar de casa sem que isso prejudicasse a voz ativa de cada colaborador, seus planos de carreira e, claro, a nossa capacidade de seguirmos focados nas necessidades dos clientes.

Aplicando a máxima “there is no one-size-fits-all”, muito conhecida na Engenharia de Software, mudamos do trabalho presencial para o “trabalhe de qualquer lugar” de maneira definitiva. Foi uma transformação importante que nos permitiu atrair talentos de outras cidades e estados, e ter um time muito mais diverso.

Dessa experiência, levei outros três grandes aprendizados: decisões orientadas por dados são decisões tomadas a passos firmes porque tudo já foi considerado; se o foco sempre estiver no cliente, não importa quão distribuído o time esteja, todos estarão na mesma página; uma cultura bem fundamentada e aplicada soluciona quase todos os problemas de comunicação.

Olhando para o mercado, encontramos bons exemplos de empresas que estão jogando o jogo infinito, como a Harley-Davidson. A companhia americana já viu diferentes concorrentes abandonarem o mercado, mas segue relevante após mais de 100 anos.

De fato, quanto mais penso nesse assunto, mais certeza tenho de que encarar o empreendedorismo como algo temporário, com prazo certo para acabar, é se colocar em risco constante de frustrações. Prefiro seguir jogando.

Fonte: Valor Investe

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