As mulheres que me ensinaram a empreender

Empreendedorismo

Nessas tardes frias que antecipam a chegada oficial do inverno, lembro com carinho da infância, dos dias que passava na casa da minha vó Georgina, mãe do meu pai. Ela costumava fritar bolinhos de chuva ao anoitecer, para adoçar a hora do café, que ela adorava e anunciava com ar convidativo: “Vamos tomar café com leite?”. Nesse tempo, ainda nem de café eu gostava, mas o ritual era um dos meus preferidos (aliás, continua sendo). Sentar em volta da mesa, muitas vezes com as mulheres da minha família reunidas, ouvindo as histórias do passado e compartilhando meus pensamentos.

Gosto de frequentemente voltar às origens das coisas para lembrar ou entender de onde elas vêm, o que há no princípio e na essência e por que tomaram o caminho que tomaram. Puxar a linha do novelo para ver se encontro o âmago da questão. Desde pequena, investigo sobre as histórias antigas da família, como era antes de eu nascer e o que as pessoas mais velhas pensavam, com que se preocupavam, o que sonhavam quando tinham a minha idade. Acredito que cada um de nós se torna o que é em parte pelo que veio antes.

empreendedora que me tornei tem muito a ver com as mulheres que vieram antes de mim e com quem convivi ao longo da vida. Minha vó Georgina é apenas uma delas. Suas duas filhas (minhas tias), Marilu e Vera, são como minhas mães. Sinto que as duas sempre tiveram um interesse genuíno e incondicional por mim. Elas sempre tiveram (e continuam tendo) uma escuta atenta e curiosa, seja para minhas histórias reais ou para minhas viagens. Desde sempre vibram com cada conquista e entendem o que significam para mim.

Esse interesse certamente alimentou a minha autoconfiança – talvez até tenha me deixado mal-acostumada para o mundo no qual, em geral, as pessoas não têm a mesma disponibilidade para escutar umas às outras. Até hoje, um dos meus programas preferidos no final de semana é estar com elas, tomando um cafezinho.

Aos meus olhos, Vera é poesia, romance. É assim que ela gosta de ver a vida. Ama o trabalho, a relação com as pessoas e, mesmo quando eu ainda não entendia bem o que ela fazia como corretora de imóveis, me contava longas histórias de seu dia a dia com emoção. Alimentou em mim o sonho, a fantasia. Era ela a inspiração da personagem que criei e encarnei durante toda a infância: a Madame Adelaide. Eu vestia roupas coloridas, chapéus e lenços que pegava do mancebo da Vera e, caricaturando sua personalidade dramática e exagerada, me transformava em uma senhora elegante e esnobe. Era minha diversão.

Já Marilu sempre foi mais desconfiada, avaliando os poréns antes de embarcar no sonho. Me ensinou a ser ponderada, refletir antes de agir e a colocar os pés no chão. Sempre me deu conselhos sábios sobre a vida. Advogada, cuidou de muitos processos de separação de casais e me contava o que havia aprendido. Por exemplo, que as pessoas se apaixonam porque se conhecem olhando para frente, cada uma na sua individualidade. Quando começam a olhar uma para a outra, perdem sua identidade, e o casamento tende a acabar.

Minha mãe de verdade, Eliana, é minha referência de atitude empreendedora. Vejo que tudo o que ela fez na vida foi para se realizar, não para agradar ou porque sentia que devia algo para alguém (meu irmão e eu incluídos). Sua prioridade sempre foi ser feliz.

Ficou quatro anos sem trabalhar depois que eu nasci porque desejava me acompanhar de perto. Mas isso não significava não ter atividade. Fazia mala direta para a empresa em que minha tia trabalhava, comprou um computador para aprender a mexer na nova tecnologia e tinha sempre um espaço de escritório em casa para cuidar das tarefas que inventava. Quando comecei a digitar no teclado, pegava no meu pé para usar todos os dedos das mãos – o que me faz ganhar um tempo danado hoje em dia. Era como a sua mãe, minha avó Celma, que mesmo sem trabalhar fora sempre estava ocupada com várias atividades, da natação à máquina de costura, passando, claro, pela cozinha. Foi com ela que aprendi a fazer bolo e a escolher produtos de limpeza.

O mais legal da minha mãe é seu senso de realização natural. Uma ambição em nada relacionada ao dinheiro, mas sim ao prazer pelo fazer. E o dinheiro sempre veio como consequência. Quando pequena, eu andava em torno dela falando minhas ideias sem parar. Ela ouvia enquanto fazia suas coisas, mas entendia o que precisava para ajudar a realizá-las em seguida. Escrevi um “livro” aos 10 anos, inspirado em histórias da escola, e ela mandou encadernar e fazer cópias para distribuir. Se algo dava errado e eu não conseguia o que queria, explicava sem se estender que a vida era assim mesmo. Fazia parte aceitar um não como resposta. Quando formalizei minha saída do emprego na redação para fundar o Atelier de Conteúdo, a primeira coisa que fiz foi mandar um áudio emocionado para ela. Afinal, só tive coragem de dar aquele salto no escuro porque ela nunca me disse que algo era impossível e alimentou meus devaneios com seu senso prático.

O que todas essas mulheres – vó Georgina, vó Celma, Marilu, Vera e Eliana – têm em comum e que certamente me influenciou muito é o prazer e a realização por meio do trabalho. Fosse qual fosse a atividade, todas sempre trabalharam muito e gostaram do que faziam. Se hoje tenho uma relação de prazer com o meu ofício é porque sempre tive exemplos de que trabalhar era, sim, divertido. Além disso, elas não responderam minhas perguntas com limites. Ao me ouvirem sem colocar barreiras, me deram pista para encontrar o meu jeito e espaço neste mundo. Inevitavelmente, me tornei uma mistura de tudo isso. Aprendi a empreender meus sonhos com paixão, trabalho, autorresponsabilidade e cafezinhos para esquentar as tardes. Portanto, com saudades daquele bolinho de chuva, fica aqui minha homenagem às mulheres que tanto me inspiram.

Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.

Fonte: forbes.com.br

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