Pandemia transforma o mercado de trabalho e incrementa o empreendedorismo

Empreendedorismo

Alessandra Nogueira

Há um ano, o jovem Gustavo Caíque Teodoro Vicente, 26 anos, de Araçatuba, tinha como hobby cortar o cabelo dos amigos, após fazer um curso para expandir suas habilidades. Veio a pandemia, ele perdeu o emprego na empresa em que trabalhava como assistente administrativo e decidiu transformar o seu lazer em ofício. 

Para isso, resolveu empreender e acaba de abrir a própria empresa, formalizada no dia 26 deste mês. Assim como Gustavo, muitos trabalhadores tiveram de se reinventar após a crise sanitária que assola o mundo, modificando hábitos e costumes. 

Com o mercado de trabalho não foi diferente e, neste Dia Internacional do Trabalhador, celebrado hoje, 1º de maio, o que se vê é uma transformação que incrementou o empreendedorismo, a digitalização do trabalho, o home-office e trouxe mudanças sociais, sobretudo no ganho-pão do trabalhador, que se viu na necessidade de buscar alternativas de renda. 

Dados do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) apontam que foram abertas 1.233 empresas em Araçatuba entre janeiro e março de 2021, um aumento de 9% em comparação ao mesmo período do ano passado, quando 1.153 pessoas decidiram formalizar o seu negócio.

A maioria é de pequena empresa, que foi aberta por necessidade, como foi o caso de Gustavo, que está muito feliz por conseguir sobreviver com o que até então era um hobby praticado nas horas vagas. 

“Eu fiquei assustado no começo, mas estou conseguindo manter os pagamentos das parcelas do consórcio do meu carro, assim como os fornecedores e todas as despesas do salão e de casa”, conta. 

Para começar, ele adaptou uma sala de sua própria casa, no bairro Água Branca, com o dinheiro que ele usaria para uma viagem ao Rio de Janeiro. O passeio teve de ser adiado, mas em compensação, ganhou um novo estilo de vida e passou a exercer uma atividade que lhe dá renda suficiente para que não tenha de abrir mão de seus sonhos. “Eu também gosto muito de investir em aplicações e estou conseguindo fazer tudo o que fazia estando empregado com carteira assinada”, conta. 

NÃO HÁ O QUE COMEMORAR

O presidente do Sindicato dos Comerciários, José Carlos Santos, disse que não há o que comemorar no Dia do Trabalhador.

“Temos um inimigo invisível, um vírus que nos acertou em cheio. Ainda assim, os comerciários atendem com o sorriso no rosto”, falou o presidente. Segundo ele, o comércio está fechado hoje em função da celebração do 1º de maio. “A categoria não abre mão de três feriados: Natal, Ano Novo e Dia do Trabalhador”, comentou Santos.

ADAPTAÇÃO À ECONOMIA

O economista Marco Aurélio Barbosa de Souza, que é também professor na FAC/FEA (Fundação Educacional de Araçatuba), explica que o crescimento na abertura de empresas reflete uma adaptação ao contexto da mudança da própria economia. “Muitos trabalhadores abriram suas empresas para ter novas inserções no mercado e garantir a própria renda”, afirma. 

Uma das modalidades em crescimento é a do Microempreendedor Individual, que é de fácil abertura, com uma contribuição mensal de R$ 55,00 à Previdência Social. Dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico apontam que das 27 mil empresas existentes em Araçatuba, 91% são MEIs.

Com a formalização, o microempreendedor tem como garantias a aposentadoria por idade e invalidez, salário-maternidade e pensão por morte. De outro lado, pode ampliar o mercado, pois passa a ter CNPJ e a emitir nota fiscal, além de ter acesso a créditos voltados para a sua atividade. 

“Tudo isso reduz as dificuldades para empreender”, afirma Barbosa, destacando que grande parte dos microempreendedores atua nos setores de comércio e serviços, como salões de beleza, barbearias, manicures e pedicures. 

Segundo ele, há uma parte dos microempreendedores que visualizou uma oportunidade de criar algo que permite ter mobilidade social, melhorar a qualidade de vida e ter a sua renda, diferentemente dos que empreenderam por necessidade.

É o caso do entregador Alessander Cristiano Batista de Oliveira, 43 anos, que trocou a carteira assinada pelo microempreendedorismo individual e não se arrepende. Segundo ele, seus ganhos aumentaram, passando dos R$ 1,4 mil para R$ 3,5 mil mensais, trabalhando por conta própria. 

Além disso, ele afirma ter melhorado sua qualidade de vida e passou a ter mais tempo com os filhos. “Eu faço o meu próprio horário e, com o MEI, tenho as garantias do INSS que teria sendo empregado”, afirma ele, que faz entregas de aviamentos, roupas, sapatos, comida e remédios.

ENTREGAS

A área de entregas, aliás, representa outra transformação percebida no mercado de trabalho. Com a pandemia e a necessidade do isolamento social, os consumidores passaram a optar pelo delivery, atividade que cresceu muito nos últimos 12 meses. É o que atesta o empresário Bruno Pantolfi Cavalheiro, 30 anos, que viu o seu negócio crescer em 133%, após a pandemia. 

Ele atua no serviço de entregas com empresa formalizada há cinco anos e, com o incremento do delivery, teve de contratar entregadores para atender à demanda crescente. Ele conta que, em março do ano passado, possuía sete motos. 

Hoje, tem 19 veículos próprios e contratou outros 30 motociclistas para realizar as entregas, que em sua maioria são dos setores de medicamentos e alimentos. “Eu tive que triplicar a equipe por causa da demanda”, conta ele, que fazia 3 mil entregas antes da pandemia e hoje faz 7 mil, em Araçatuba e Birigui. Parte foi admitida com carteira assinada e outra parcela foi contratada como prestadores de serviços. “Esta modalidade foi intensificada como reflexo da crise e da busca do trabalhador por novas alternativas”, afirma o economista Marco Aurélio Barbosa de Souza.

DIGITALIZAÇÃO DO TRABALHO

Além das entregas, a pandemia também criou ou intensificou a modalidade do trabalho remoto, que pode ser feito em qualquer lugar. “Algumas empresas perceberam, principalmente as de tecnologia, que o trabalhador em casa é tão produtivo quanto presencial. E abriram a possibilidade para contratar pessoas de qualquer lugar para prestar serviços. É a chamada digitalização do trabalho”, explica o economista. 

PRECARIZAÇÃO

Apesar das vantagens do MEI, que abre o leque de oportunidades ou atende à necessidade de quem perdeu o emprego formal, há também o lado da precarização do trabalho, alerta o economista. 

Neste caso, tratam-se daquelas pessoas que antes eram contratadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e passaram a ser prestadores de serviço. “Há uma diferença grande entre um e outro, mas é um fenômeno que vem se intensificando também com a pandemia, a chamada pejotização”, afirma o economista.

Resiliência marca os que sobrevivem na informalidade

Com a pandemia, vários trabalhadores tiveram que passar por um processo de transformação, readaptação necessária para conquistar uma renda mensal. Márcia de Fátima da Silva Nunes Mosca, 56 anos, de Birigui, teve que mudar sua estratégia de vendas no ramo da alimentação. 

Ela e o marido José Carlos Mosca, de 64 anos, vendiam salgados para as cantinas das escolas. Agora, na rua, na frente de sua residência, o casal vende frutas, batata doce, mandioca, verduras, temperos, pimenta e afins. “Vendíamos também para festas e buffet. Com a pandemia, tudo parou. Trabalhamos nos fundos da minha casa, fazendo salgados. Agora colocamos os produtos na frente de casa e entregamos nos veículos com higienização”, explicou ela. 

MULTIPROFISSIONAL

Aurelina Aparecida de Oliveira Costa, 52 anos, tem múltiplas formações. É formada em Pedagogia, cursou cinco anos de Direito, é confeiteira, salgadeira cozinheira e boleira, mas não consegue emprego formal e tem de se virar como pode para colocar comida na mesa. 

Com múltiplas aptidões, ela ganha a vida, hoje, fazendo peças de crochê, como tapetes, colchas, roupas, e pães, bolos e biscoitos, que são divulgados em redes sociais para a comercialização, por encomenda. 

A renda mensal é variável, pois tem de arcar com os custos do gás, que subiram muito, mas ela vai sobrevivendo na informalidade. Aurelina vê no MEI (Microempreendedor Individual) a possibilidade de abrir sua própria confeitaria ou lanchonete. “Pretendo partir para a formalização, porque o mercado de trabalho está muito complicado, ninguém está contratando”, afirma. 

A multiprofissional conseguiu trabalhar três meses como cozinheira em um supermercado, mas ficou assustada com os crescentes casos de Covid-19 no local de trabalho e acabou pedindo o desligamento. “Éramos em oito na cozinha e cinco estavam afastadas, o que também me sobrecarregava”, conta. 

Como é diabética e hipertensa, ela preferiu trabalhar em casa. “A pandemia atrapalhou tudo, eu ia até dar aulas particulares, mas os pais ficaram com medo da Covid e cancelaram”, complementa ela, que mora no Porto Real 1. 

Para ajudar a colocar comida na mesa, ela mantém uma horta, com alface, couve e cebolinha, e um pomar com mangueira, goiabeira, bananeira, pé de lichia, de maracujá e até de chuchu. “Isso ajuda muito, porque está no meu quintal. É só ir até lá e colher”. 

BORDADO

A aposentada Juçara Ferretti aumentou a confecção de toalhas bordadas artesanalmente. Antes da pandemia, ela produzia cerca de 10 toalhas por semana. Agora, como fica a maior parte do tempo dentro de sua casa, passou a produzir 40 toalhas por semana. 

“A pandemia não trouxe nada de bom para as pessoas. Apesar do aumento da procura pelos bordados, seria melhor produzir menos e estarmos sem a pandemia. Infelizmente temos que enfrentar esse vírus, disse ela. 

MAIS TRABALHO

“Na minha rotina de professora, a pandemia está me fazendo trabalhar muito mais do que eu já trabalhava antes. A gente ouvir algumas pessoas na sociedade, dizendo que o professor não quer voltar dar aula presencial porque ele não quer trabalhar, isso é uma completa desinformação, porque na pandemia nós estamos trabalhando sem parar muito mais horas do que se nós estivéssemos na escola, além do horário da aula, porque as atividades online não podem ser parecidas com as presenciais, é preciso capturar mais atenção desse aluno que tá em casa tem outras fontes de dispersão, o celular ou computador dele estão abertos na aula, mas ele está fazendo outra coisa”, testemunhou a professora Ayne Salviano.

Fonte: www.folhadaregiao.com.br

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